Ontem fui ao Largo de S. Carlos ver um espectáculo de música tradicional moçambicana.
Primeiro que tudo é importante dizer que fui sozinha. Muitas meias combinações, muitos "talvez vá lá ter". Decidi que ia com ou sem companhia. E pus-me a pensar neste facto. Há 4 anos atrás seria incapaz de tal. "E se depois encontro alguém que conheço e estou sozinha?"; "Assim não tem graça."
Mas tem toda a graça do mundo estar na qualidade de observadora apenas e não de também comentadora. Tem graça quando alguém mais atento observa que estou sozinha e volta a olhar. Quase que lhes leio os pensamentos que lhes saem desse olhar: "estará sozinha?"; "estará à espera de alguém?"; "que estranho". O meu olhar chega a muitos mais sítios. O meu sentir também. E sobretudo não se perde algo que queríamos genuinamente fazer só pela desculpa da companhia. E absorve-se.. absorve-se tudo. Cada detalhe. É como se fosse uma espiã, uma carta fora do baralho a tentar perceber, captar. Gosto muito. Não me estou a tornar uma solitária, mas gosto de estar sozinha no meio de muitos e já há poucas coisas que não faça nem não goste de fazer sozinha. O partilhado sabe muito muito bem e quem me conhece sabe bem também o valor que lhe dou, mas o silêncio e o saber estar comigo própria tem ganho um lugar muito particular na minha vida (mas talvez ainda volte a este assunto noutro tempo, que hoje ainda há mar por desbravar :)
Importamos África. Nós, sim, os europeus. Os africanos percebem o que gostamos, adaptam, vendem. Não que a música e a dança ontem não fossem de qualidade ou não fossem África, mas não é o genuíno. Não tinha a pujança, a espontaneidade, a eloquência africana. Era Moçambique sem sal. Uma versão condensada e um pouco limitada. Só mesmo os comentários dos músicos entre as actuações me soavam a verdadeiro. No fim, até teve direito à festa e à expansão de alegria (como convém) com toda a gente que quisesse a subir pró palco e a dançar, mas até isso foi meio forçado. A minha expectativa era grande, sim. Como se estivesse sedenta e crente de poder encontrar Moçambique naquele pequeno largo de Lisboa. Mas nós, os europeus, importamos o que nos encaixa melhor, o que é menos "bruto", mais "civilizado". Não conseguimos despegar-nos do que somos. É-nos difícil aceitar o outro tal e qual ele é. Sim, tem que ser um espectáculo "digno", à altura do Festival de que falamos, mas mil vezes as nossas festas improvisadas com a música que houvesse e o som péssimo da nossa casa de Lichinga. Mil vezes as mamãs a dançarem nas eucaristias depois de ensaiarem mil vezes também, algo que não precisavam de ensaiar porque acabam por, naturalmente, "seguir o ritmo da música" - "como não consegues, Andreia?? é só ouvir a música!". Mil vezes as crianças que dançam ao desafio desde a capulana da mãe e sem "fatos de gala". Mil vezes os cantos dos funerais, as músicas das festas muçulmanas, as danças cerimoniais.
Não, ainda não se pode ver Moçambique em Portugal num largo de Lisboa por muito que se grite no fim: "Moçambique, OYÉ!". Até porque a plateia destreinada ainda responde: "OOOO" em vez de "OYÉ!".
E venho-me embora, sozinha, e sorridente: "ainda não conseguiram roubar a alma a África. Graças a Deus!"
Comichões minhas. Juízos de valor meus. Sentidos próprios. Valem o que valem.
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