Ontem o R. fechou os olhos com muita força pra não chorar quando a enfermeira trouxe a agulha. Nos seus enormes 8 anos, que não se traduzem em tamanho, vi o medo e a antecipação da dor. A enfermeira diz que ainda não é desta porque aquele braço já está calejado. A mãe não consegue ver as expressões que nós vemos na cara do R. É cega. A mãe só segura a outra mão e diz que tudo vai correr bem. A enfermeira brinca com ele, muda de braço e diz que tudo vai correr bem. A força deste miúdo pasma-me e destrói-me o coração.. o que ele foi obrigado a crescer: não se queixou, não gemeu sequer. Só aquela cara contraída... Desce do colo da mãe e os papéis invertem-se: ele é o seu guia. Temos que ir à médica. Encontramos na secretaria uma pessoa já conhecida do R. e da mãe. É amorosa.. trata toda a gente bem. Sempre que alguém chega de novo, ela encontra sempre uma coisa positiva para elogiar. Conhece todas as crianças e pais pelos nomes. Mas mais importante que isso, conhece as histórias. Fico comovida a olhar pra ela. É só uma funcionária de uma secretaria mas faz toda a diferença na vida das pessoas que ali passam: doentes, médicos, enfermeiros, auxiliares. É jovem e bonita e escolheu fazer o seu trabalho com Amor. Agora estou é envergonhada... quantas vezes não coloco este Amor no meu trabalho...
Vou ao bar do hospital. Encontro um amigo médico. Fala-me de um doente que também precisa de encaminhamento social. Não chegamos a uma conclusão sobre o que fazer. Peço-lhe que fale com a assistente social desse serviço.
O tempo passa. A médica demora. O pequeno R. começa a enroscar-se em mim... ainda agora me conheceu.. mas precisa de carinho. Mantêm-se quieto.. e vai reagindo às brincadeiras dos enfermeiros que já o conhecem. Há uma pra quem ele corre. Há sempre alguém mais especial. É tão grande este miúdo...
Quando vamos embora eu e a mãe seguimos o caminho errado, não obstante as recomendações do R. Ele tinha razão e eu também sou cega.
E hoje, muda a cara a meu encargo. Muda o hospital. Mas persiste a existência de uma pessoa mais preocupada: outra enfermeira. E ambas suspiramos ao mesmo tempo quando a A. nos diz que afinal já não toma os medicamentos desde Dezembro. Temos tentado imenso e a A. não percebe... Não sei que hei-de fazer à A. Zango-me com ela e digo-lhe que não a posso ajudar se ela não se ajudar a si própria... mas no fundo sei que ela não percebe isso e que estou a tentar convencer-me é a mim. Porque já não sei o que faça mais e porque sei que a terei que "abandonar" em Abril e não me parece que alguma coisa esteja resolvida. A minha ira é sinal da minha própria frustação. Hoje, como ontem, voltei a ir à capela do hospital. São estas capelas que me têm safo... É onde entrego estas vidas a Deus porque me sinto pequena como sempre.
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