segunda-feira, julho 25, 2011

das pressas pecadoras

Tinha acabado de pensar: "é provavelmente a melhor bifana que comi nos últimos tempos. não mal passada nem seca. tempero certo. sem nervos. impec!"

E no já pecado que é comer a andar (à comida também se deve respeito e dignidade e a oportunidade de ser devidamente apreciada), ainda por cima a passo largo, eis que o vejo no meio do passeio. Sem-abrigo ou pelo menos sem rumo. Olha pra mim e pede: "a senhora dá-me um bocadinho da sua bifana?" e logo de seguida: "é bifana, não é?". Eu, em movimento ainda, olho para bifana e ainda hesito 2 segundos* entre dar só uma parte ou dar toda. Dinheiro nunca, comida sempre. Curvo-me ligeiramente para trás, estendo-lhe a bifana e sigo em frente. Fez um olhar meio incrédulo e disse um tímido "obrigado". Eu, sem olhar para trás, lá fui, no mesmo passo largo.

Mas quanto mais subia a avenida mais aquela sensação de pecado se abatia sobre mim. 
Nem olhei para ele. Nem olhei para ele. Nem olhei para ele. e era Ele. era Ele. Nem olhei para ele.
De que me serve estender a mão e dar o mais "fácil" se nem lhe atribuo a dignidade de um olhar?! De que me serve dar "tudo" se a dúvida (*) e a hesitação ainda se abatem sobre mim? Se ainda não dou intuitiva e genuinamente? Se tenho pressa? Se ando a correr enquanto Ele passa por mim. Enquanto vem, propositadamente, ao meu encontro. A desculpa era das melhores: a hora marcada de um documentário para o qual eu estava atrasada. Sobre África, a minha África. Nem sequer conhecia o sítio, mais urgente se tornava chegar depressa. E sabem que é que aconteceu quando cheguei? Estava atrasado 45 m. 
E aquele meu "não olhar" ainda se me cravou e rasgou mais no coração.
Eu nem olhei. Não sei reconhecê-lo. Não sei. Não sei.

E este atormento que é andarmos a correr sem conseguir parar, sem olhar para quem precisa mais de olhar do que de pão. Como se "só o pão bastasse", como se eu não me debatesse em meios académicos, profissionais, pessoais, espirituais pelo contrário dessa lógica. Como se eu não acreditasse no "desenvolvimento integral do homem todo e de todo o homem". Como se, quando verdadeiramente importa, eu falhasse tanto como os "outros", os que acuso de não verem. Os que não querem ver. 
Como se eu falhasse não! Percebendo que falho, e mais gravemente, porque com uma consciência e obrigação bem diferentes de outros.

Ainda esta semana acompanhei uma família que passa fome. E agora penso: "e eles? será que também não olhei para eles?"

Que pressas as minhas! As pecadoras! :(