Não sei bem que pense destes com quem me cruzo.
Tenho uma profissão dura - a de ter que apontar caminhos. E quando eles não existem e é o desespero que se personifica à minha frente, apetece-me fugir. Ser cobarde, baixar os braços, dizer basta, não consigo, não quero porque não posso. Apetece-me incitá-los à revolta popular, ao roubo dos vergonhosamente ricos à custa deles próprios. Dá-me ganas de gritar aos que falam contra os apoios sociais sem conhecerem nenhuma destas realidades. De irromper parlamento adentro com eles todos atrás de mim e clamar por justiça, de lhes esfregar na cara a pobreza, que também tem cara e sofrimento. De lhes sujar as mãos, enojar com os cheiros. De os obrigar a VER! Sim, a VER! Porque o fácil é viver num condomínio fechado e fingir que tudo isto não existe. Ir passar um fim-de-semana ao monte e minimizar a realidade. Para calar a voz da consciência, satisfazer os pudores socais e alimentar uma certa imagem, talvez contribuir um (muito) pouco para uma organização através da internet ou ir a um jantar chiquérrimo de beneficência (é melhor evitar o contacto directo), mas nada de exageros que a crise anda aí.
E ter estes heróis nacionais que andam na intervenção social, sem estatutos reconhecidos, com contratos mais precários que os dos próprios utentes, a dar horas e sangue. E suor voluntários nos projectos onde são.. profissionais. A viverem na eminência de corte de mais um financiamento, quando eles precisam de mais vinte (pelo menos). A fazer omeletes sem ovos (e frigideira!). A serem humanos para além de toda a humanidade possível. A quererem crer, já sem crerem. A desesperar com contenção porque nunca podem desesperar tanto como os que têm à frente. Sem os puderem abraçar e fazer acreditar que têm verdadeira compaixão pelas suas chagas (porque somos "técnicos", não somos amigos.. porque é questionável).
Estes heróis anónimos todos os dias nas trincheiras da frente sem capacetes sequer, quanto mais armas para atacar os males inimigos e alheios. Expostos. Entregues. Com um brilho escondido nos olhos, sempre que uma luzinha se acende. À espera que exista sempre uma luzinha qualquer que lhes permita alimentar a própria chama. Só mais um bocadinho..